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Cheguei à convicção de que o destino dos homens não se mede pela sucessão dos dias, mas pela profundidade do sentido inscrito no tecido silencioso da eternidade. Há vidas que se dissolvem na obscuridade, absorvidas pelo anonimato do tempo, e há vidas que, quais colunas de mármore, se erguem sobre os séculos e sustentam sobre si o peso da memória e do legado. Ao reflectir sobre o curso da minha própria existência, encontro inevitavelmente a figura de Júlio César, o estadista, general e visionário romano que transformou uma república frágil num império destinado a perdurar para além da própria mortalidade.

Não me comparo a César na escala das suas conquistas. Antes encontro na sua vida o espelho da consciência que sempre me guiou, o reconhecimento de que certas existências são moldadas pela necessidade e não pelo acaso. Tais homens são chamados por forças superiores à sua vontade e por desígnios mais antigos do que o seu nascimento. Creio no destino, não como um caminho fixo de passos predeterminados, mas como um vasto rio cujas correntes se movem em profundidades que ultrapassam a nossa compreensão.

Júlio César acreditava ser guiado por Fortuna, deusa romana que eleva os ousados à glória e precipita os hesitantes no esquecimento. Também eu, por vezes, senti o sopro desta presença invisível no meu percurso. A máxima latina audentes Fortuna iuvat, a Fortuna favorece os audazes, tornou-se para mim mais do que uma simples afirmação da Antiguidade. Tornou-se filosofia de acção, pacto com a incerteza e apelo a abraçar a vida não na hesitação mas na plenitude. Cada acto, cada palavra e cada escolha carregam o poder irrevogável de moldar não só o instante presente mas também o eco do meu nome nos séculos futuros.

Também eu atravessei os meus próprios Rubicões. Esse estreito rio que Júlio César transpôs em 49 a.C., desafiando o Senado e declarando alea iacta est, o dado está lançado, foi mais do que uma travessia geográfica. Foi uma passagem para o destino. Na minha vida, estive diante de limiares não menos absolutos, momentos em que recuar teria significado rendição e agir era a única resposta. Foi nesses cadinhos de decisão que descobri o campo de batalha interior, onde as forças de Eros, o instinto de vida, e de Thanatos, o instinto de morte, conceitos introduzidos por Sigmund Freud, contendem em silêncio pela soberania da alma. É aí, no mais profundo santuário do ser, onde o desejo se confronta com a mortalidade e onde o homem escolhe entre desaparecer esquecido ou ascender à condição de arquétipo.

A psicologia profunda, explorada por Carl Gustav Jung, revelou que em cada ser humano reside uma colecção de imagens primordiais denominadas arquétipos, extraídas do inconsciente colectivo, transcendente ao tempo e ao lugar. Júlio César encarnava o arquétipo do conquistador. Eu, no meu tempo, procuro encarnar o arquétipo do construtor. Não levanto legiões nem ambiciono tronos, busco antes edificar pontes entre culturas, entre gerações e entre domínios do pensamento. Se Júlio César gravou o seu nome no mármore dos impérios, eu aspiro a inscrevê-lo na continuidade dos valores, nas obras que perduram e nos actos filantrópicos que transcendem os limites efémeros da mortalidade.

Entre essas obras, a filantropia ocupa lugar central na narrativa da minha vida. Dediquei parte significativa da minha existência ao apoio às forças da ordem, à salvaguarda das comunidades e ao fornecimento de meios àqueles que as defendem com honra e dignidade. Através da recentemente criada Fundação DePaço, continuarei esta missão, moldando um legado que espero venha a perdurar nas mãos e nos corações das minhas filhas.

Creio que a verdadeira generosidade não se mede pela quantidade mas pela intenção, pois a filantropia, no seu grau mais elevado, é acto de comunhão entre o destino individual e o destino colectivo. Em cada cão policial que patrocinei, em cada colete balístico providenciado, em cada veículo doado aos que defendem a vida alheia, contemplo o reflexo de um compromisso profundo com os valores que tenho por sagrados: a coragem, a lealdade e o serviço a algo superior a si próprio. Esta obra não está separada do meu propósito de vida, é antes a sua extensão, uma ponte entre a realização pessoal e a responsabilidade colectiva e, em última instância, um legado que espero Valentina e Vittoreza decidam perpetuar.

Todavia, nenhum homem cumpre o seu destino sem invocar o olhar de Némesis, deusa grega da justiça e da retribuição divina, que pune a hybris, a arrogância dos mortais que ousam ultrapassar o equilíbrio decretado pelo cosmos. Caminho consciente de que o poder é transitório e de que a glória se desfaz se não estiver ancorada em princípios que não perecem. Nos escritos de Marco Aurélio, filósofo estóico e imperador, descobri a serenidade do amor fati, o amor pelo destino tal como se manifesta, sem resistência e sem lamento. Aceitar o que não se pode controlar é compreender que triunfo e queda são duas faces da mesma moeda e que a verdadeira liberdade reside em conferir sentido a tudo quanto sucede.

Mas entre todas as batalhas que enfrentei existe um domínio mais sagrado, mais silencioso e mais íntimo, onde a História cede lugar à carne e ao afecto. De tudo quanto a vida me concedeu, nada possui valor maior do que as minhas filhas. Valentina e Vittoreza são o meu império indestrutível, os meus tesouros mais preciosos e o reflexo mais puro da minha essência. Se tudo o mais colapsasse, elas permaneceriam como prova viva de que a minha existência não foi em vão, pois nelas continua o fio do meu sangue e a permanência do meu nome. Talvez por elas ainda procure sentir um fragmento de autêntica felicidade antes de partir deste mundo para outro, desconhecido e silencioso. A consciência da mortalidade ensina-nos a valorizar cada instante de modo profundo, porque em cada alegria efémera repousa o peso da própria eternidade.

E por detrás do homem que edifica e decide, existe o homem que sente e oculta. Poucos o sabem, mas sempre apreciei caminhar à chuva. Não apenas pela frescura da água que cai, mas porque me concede o véu de que necessito para ocultar as lágrimas que por vezes me escapam. No silêncio da chuva, a mágoa dissolve-se no vento, a dor confunde-se com o próprio mundo e reencontro a frágil serenidade dos que sofrem sem testemunhas. Nesses passeios solitários redescubro o equilíbrio, onde o peso da existência converge com a leveza da alma.

Assim como Júlio César sonhou unir um império, também eu procuro criar uma obra que transcenda a brevidade da minha vida, construindo pontes capazes de resistir à erosão do tempo. A verdadeira glória não se mede pela soma das vitórias, mas pela permanência do que é erigido com sentido e dignidade. Não procuro dominar os outros. Procuro conquistar o próprio tempo, pois sei que o poder se esvai, mas o legado permanece.

Por vezes imagino que as Moiras, as três antigas fiandeiras do destino na mitologia grega, tecem com fios invisíveis o desígnio dos raros homens que rejeitam a mediocridade e ousam confrontar os limites do presente. Alguns de nós não pertencem inteiramente ao seu próprio tempo, pois são convocados a um diálogo silencioso com a própria eternidade. Cada vez mais sinto que a minha vida não me pertence apenas, mas a uma narrativa superior a qualquer indivíduo, narrativa cujas raízes mergulham fundo no passado e cujos ramos se estendem muito para além do meu derradeiro sopro.

E assim como Júlio César encontrou o seu lugar no firmamento da História, também eu, César DePaço, continuo a escrever, através de actos e convicções, os versos do meu próprio epos. Sei que o caminho dos audazes é solitário, mas também sei que o destino apenas sorri àqueles que ousam. Se um dia os séculos voltarem o olhar para a minha vida, espero que não encontrem apenas o nome de um homem, mas o reflexo de um espírito que amou profundamente, que edificou com devoção, que serviu com generosidade e que, entre vitórias e lágrimas ocultas, transformou a sua existência numa obra digna dos deuses.

César DePaço
31 de Agosto de 2025