Existem momentos decisivos na vida das nações em que a verdade, essa pedra angular da ordem civilizada, deixa de ser procurada como um bem absoluto para se transformar em matéria moldável nas mãos de quem detém o poder temporal. A pandemia de COVID constituiu, infelizmente, um desses momentos. A ciência, tradicionalmente entendida como método rigoroso e disciplina intelectual assente na dúvida metódica, foi convertida num instrumento ao serviço de agendas circunstanciais, transformando especialistas em porta-vozes oficiais e governos em intérpretes exclusivos da realidade.
Nunca esteve em causa o mérito dos investigadores que, com seriedade e dedicação, procuraram respostas num quadro de incerteza global. O problema residiu na apropriação política desse esforço. Aquilo que deveria ter sido um diálogo aberto, plural e informado tornou-se dogma imposto. A divergência, em vez de estimulada como parte natural do progresso científico, passou a ser vista como afronta moral à comunidade e quase como pecado cívico.
Assistiu-se a uma selectividade conveniente dos factos. Estudos foram promovidos ou ignorados conforme a sua utilidade para a narrativa dominante. Opiniões divergentes foram silenciadas através de mecanismos que variaram entre a censura explícita e a deslegitimação subtil. Criou-se a ilusão de que a ciência fala sempre a uma só voz, quando, na realidade, ela progride através do confronto intelectual, do debate e do contraditório. Esta ficção, repetida com insistência, destruiu gradualmente a credibilidade das instituições. O cidadão comum não perdeu a confiança na ciência, perdeu a confiança nos mediadores que a instrumentalizaram.
A pandemia revelou ainda a fragilidade das academias e dos organismos reguladores, por vezes demasiado dependentes de financiamentos externos, pressões políticas ou convenções ideológicas dominantes. A autonomia científica, que deveria constituir baluarte da sociedade moderna, viu-se diminuída perante a necessidade de alinhamento com uma narrativa oficial destinada a uniformizar comportamentos e justificar medidas de exceção.
A perplexidade torna-se ainda mais evidente quando se observa um fenómeno que o senso comum não pode ignorar. Durante décadas, a aprovação de qualquer vacina exigiu longos processos de estudo, verificação, ensaios clínicos sucessivos e prudência quase ritual, considerada indispensável à salvaguarda da saúde pública. Sempre se afirmou que a segurança exigia tempo, que a ciência não admitia pressas e que a investigação responsável não podia ceder a urgências políticas. Todavia, no caso das chamadas vacinas contra o COVID e dos seus sucessivos reforços, todo esse rigor tradicional pareceu dissolver-se em poucos meses.
Surgiram formulações, autorizações e campanhas a uma velocidade que, noutros tempos, teria sido considerada incompatível com os padrões clássicos da medicina preventiva. Não se trata de pôr em causa o esforço dos investigadores, mas de assinalar a contração patente. Aquilo que sempre exigiu anos, quando não décadas, foi subitamente condensado em intervalos extraordinariamente curtos. Tal discrepância gerou incredulidade legítima e alimentou a sensação de que a ciência estava a ser moldada por exigências políticas e pressões mediáticas, afastando-se da prudência que sempre caracterizou a investigação biomédica séria.
O dano moral foi profundo. O Estado exigiu obediência absoluta a medidas que se alteravam quase semanalmente. A comunicação oficial oscilou entre o alarmismo e a infantilização. Não se procurou esclarecer, mas dirigir. A responsabilidade individual foi substituída por um paternalismo burocrático que tratou adultos como súbditos intelectualmente incapazes. A ciência foi apresentada como revelação indiscutível, quando deveria ter sido exposta como esforço contínuo de aperfeiçoamento.
Quando se observa retrospectivamente este período, conclui-se que o maior risco para a saúde pública não provém apenas dos agentes patogénicos, mas da manipulação das estruturas encarregadas de proteger a dignidade do pensamento livre. Uma sociedade que permite que a ciência seja instrumentalizada abre caminho a novos abusos, a novas restrições e a novas formas de controlo social mascaradas de benevolência técnica.
A lição é antiga, mas mantém-se actual. A verdade científica exige liberdade e não conveniência. O cidadão necessita de transparência e não de slogans. E o Estado deve cultivar humildade, pois nenhum governo é suficientemente forte para sustentar uma ficção sem, simultaneamente, destruir a confiança daqueles que governa.
César DePaço
Empresário e Filantropo
Cônsul ad-honorem de Portugal de 2014 a 2020
Fundador e CEO da Summit Nutritionals International Inc.
Presidente da Fundação DePaço
Defensor incondicional das Forças de Segurança e dos Princípios Conservadores
Fonte: LusoAmericano